Entre os diversos aspectos da reforma tributária em implementação no Brasil, o Split Payment se destaca como um dos elementos mais transformadores e, paradoxalmente, menos discutidos. O mecanismo promete mudar radicalmente a forma como empresas e consumidores interagem com o sistema tributário nacional.
O Split Payment, ou pagamento dividido, funciona de maneira aparentemente simples: ao realizar uma compra, o valor pago pelo consumidor é automaticamente dividido – uma parte vai para o fornecedor do produto ou serviço, enquanto outra parcela segue diretamente para os cofres públicos, quitando na fonte os novos tributos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
A promessa do sistema é tripla: simplificar a tributação, combater a sonegação fiscal e eliminar as chamadas empresas de fachada. No entanto, por trás da proposta há desafios significativos de implementação que podem impactar sensivelmente o ambiente de negócios brasileiro.
Um dos pontos mais sensíveis está na correta emissão de documentos fiscais. O mecanismo exige que o fornecedor preencha a nota fiscal com precisão e vincule adequadamente o pagamento à operação. Falhas nesse processo resultarão em cálculos tributários incorretos, com a responsabilidade recaindo sobre o contribuinte – circunstância que pode gerar insegurança jurídica.
Outro aspecto crítico se refere ao impacto no fluxo de caixa das empresas. Com o recolhimento automático no momento da liquidação financeira, muitas companhias, especialmente as de menor porte, poderão enfrentar desafios de capital de giro, já que atualmente utilizam o lapso temporal entre a operação e o recolhimento tributário como ferramenta de gestão financeira.
A experiência internacional com mecanismos semelhantes traz lições importantes. Em diversos países europeus, o Split Payment enfrentou obstáculos consideráveis, principalmente devido a limitações nos sistemas bancários. Curiosamente, o Brasil possui vantagem comparativa nesse aspecto, com uma infraestrutura de pagamentos digitais relativamente moderna e integrada.
Quanto à implementação, o cronograma é gradual. A obrigatoriedade está prevista para iniciar em 2026, condicionada à regulamentação e estruturação técnica. O sistema completo, contudo, só deverá estar plenamente operacional em dezembro de 2032, com aplicação progressiva por setor econômico.
Uma questão especialmente delicada envolve a restituição de valores pagos a maior. Especialistas em direito tributário têm levantado preocupações sobre a possibilidade de ressurgimento prático do princípio “solve et repete” (pague primeiro, discuta depois), historicamente controverso no sistema jurídico brasileiro.
O Split Payment tem inegável potencial para revolucionar a arrecadação e simplificar o cumprimento de obrigações tributárias no Brasil. No entanto, sua implementação bem-sucedida dependerá fundamentalmente de regulamentação clara, diálogo constante com os setores afetados e, sobretudo, de uma execução técnica impecável – elementos ainda em construção no cenário atual.
* Larissa Gabrielli é advogada tributarista no Instituto Brasileiro de Gestão e Planejamento Tributário (IBGPT).